Por Laila Cruz, Psicóloga Sistêmica.
O que é aprendizagem para você? A palavra “aprendizagem” remete, para a maior parte das pessoas, à ideia de educação formal, aquela que acontece no ambiente escolar e conta com alguma metodologia pedagógica específica. Então, convido para expandirmos esse conceito, trazendo a perspectiva de que a aprendizagem acontece quando o sujeito (criança/adulto/idoso…) participa ativamente e se apropria do conteúdo de suas experiências, ou seja, acontece nas suas interações com outras crianças e/ou adultos e nas interações com o mundo a sua volta. A partir dessas interações é que são adquiridas competências, habilidades, valores e conhecimentos. Então, a aprendizagem diz respeito a experiências, observações, estudos e raciocínio que são vivenciadas e apreendidas por cada ser humano. Quando observamos como as crianças aprendem, essas questões ficam mais claras e, para analisar melhor esse processo que inicia na infância, nos valemos de alguns estudiosos da área, como Piaget, Vygotsky e Paulo Freire.
No primeiro ano de vida, as descobertas são feitas principalmente através da boca e das mãos (desenvolvimento da coordenação motora grossa). Nessa primeira fase, aprende-se a engatinhar e a dar os primeiros passos. Os sentidos do tato, visão e paladar estão completamente ativos e abertos e o estímulo aos sentidos garantirá um maior ou menor desenvolvimento. A principal ferramenta de aprendizado é o corpo e é através dele que experimentamos o movimento, os estímulos sensoriais e começamos a conhecer o mundo. Nessa fase, os brinquedos devem dar espaço para a criatividade e a imaginação, por isso deveriam ser simples, com poucas informações. Por exemplo: uma boneca que está sempre sorrindo não possibilita que outras emoções permeiem a brincadeira. Então, porque não uma boneca sem expressão facial, que possa se expressar de acordo com o que a criança está sentindo? Para crianças pequenas, brinquedos que se utilizem de muitos sons e cores chamativas representam estímulos excessivos. Entretanto, os brinquedos produzidos de forma natural, que trazem elementos como a madeira e os tecidos naturais, trazendo “cores e materiais de verdade” , além daqueles que estimulam o desenvolvimento de coordenação compatível com a fase em que a criança vive, são muito importantes. Na infância, os estímulos visuais e sonoros deveriam ser vivenciados através do contato com a natureza, da luminosidade do dia e da noite, e da comunicação verbal dos pais e cuidadores. Parece pouco quando pensamos estes estímulos como adultos, mas não é pouco para um bebê.
Nos primeiros quatro anos de vida, é através da observação, repetição e assimilação, que se inicia o desenvolvimento e entendimento da linguagem. Nessa fase, a criança é completamente prática, só compreende o que é concreto e acontece no momento presente. No brincar, ela descobre cada vez mais o mundo ao seu redor e é através das brincadeiras que estabelece relações de conhecimento consigo, com os outros e com o mundo. Então, até os 4 anos a criança precisa de rotina e de tempo para brincar, com brinquedos naturais, brincadeira livre, sem regras, muitas dessas brincadeiras são representações do que ela vivencia no dia a dia. Elas aprendem brincando.
Aos poucos, com o amadurecimento orgânico, chega a compreensão do que é simbólico, a criatividade imaginativa. É assim que o brincar se torna uma atividade também coletiva, ou seja, são estabelecidas cada vez mais as relações com o outro (socialização) e isso acontece também através da participação em tarefas cotidianas da casa. Aprimora-se o conhecimento de limites, o aprendizado de regras e tomadas de decisões. Tais habilidades futuramente amadurecem para funções cognitivas mais especializadas como atenção, memória, planejamento, raciocínio e juízo crítico. Isso significa que é importante, a partir dos 4 anos, que a criança ajude nas tarefas mais simples de casa, brinque com jogos que incluem regras e possibilite a vivência dessas regras com outras crianças e adultos.
O desenvolvimento cerebral neste período da primeira infância é considerado o de maior plasticidade cerebral, ou seja, é quando estamos mais abertos para novos aprendizados. Em termos técnicos, entre 0 e 2 anos é quando temos o maior número de sinapses (impulsos nervosos) entre os neurônios. Ocorre então uma seleção natural onde as sinapses que são mais utilizadas são fortalecidas e aquelas que não forem utilizadas são descartadas. São os impulsos nervosos (sinapses) que realizam a comunicação dos neurônios com o resto do corpo, e com o meio externo. Neste momento também está acontecendo o processo de mielinização dos neurônios, a mielina facilita a condução desses impulsos nervosos melhorando a comunicação neuronal. Tais processos de estruturação cerebral junto com as experiências vividas pela criança neste período resultam no desenvolvimento neurológico que permite a aquisição de novas capacidades como emitir os primeiros sons até falar, aprimorar o controle motor até sentar, engatinhar e caminhar e etc. Por isso os estímulos são tão importantes neste período onde está sendo construída a base do funcionamento cerebral.
O processo de aprendizagem se dá a medida em que a maturação orgânica e cognitiva acontece, portanto, não é possível aprender para além da fase de desenvolvimento em que cada criança se encontra. Conhecer as fases, os estímulos adequados e indicados para cada faixa etária é essencial. Lembrando que o maior estímulo vem dos desafios de superar alguma limitação (seja física, como o aprender a caminhar, ou intelectual como aprender algo novo). São através desses desafios que surge a curiosidade, e a motivação para a busca de novos conhecimentos e consequentemente de novas aprendizagens.
Algo fundamental para se estimular o desenvolvimento neurológico da criança é oferecer atenção, responder as iniciativas de interação, e que ela tenha pessoas de referência. Essas interações estimulam a afetividade, geram vínculos que posteriormente irão encorajar a autonomia, o entendimento de si e sua importância na relação com os outro e com a sociedade.
A primeira infância ilustra bem a nossa capacidade natural de aprendizado, interesse por novas experiências, a importância das relações e do convívio com outras pessoas, e a participação ativa de cada um neste processo que é o aprender. Essa reflexão nos ajuda a expandir o olhar para a aprendizagem que nasce do interesse em conhecer nossas habilidades, potencialidades, limites, e nos convida a enxergar como o processo de aprendizagem não existe de fora para dentro, e que é na verdade a construção de uma relação da criança com o mundo que a rodeia. E essa construção é contínua em todas as fases da nossa vida. O contato com os desafios e limitações movimenta, desperta e motiva e esses são os principais elementos da aprendizagem.
Referências:
LORDELO, E. R.; Carvalho, A. M. A. ,2003. Rev. Psicologia Ciencia e Educação. Educação Infantil e Psicologia: Para que brincar?
PIAGET, J. Aprendizagem e conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959.
COLE, M., SCRIBNER, S. Introdução. In: VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 4 .ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
GADOTTI, Moacir. Aprender, ensinar. Um olhar sobre Paulo Freire. Abceducatio. v.3, n.14, p. 16-22, 2002
VYGOTSKY, L.S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: —, LURIA, A.R., LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 3 .ed. São Paulo: Ícone, 1991c. p. 103-117.
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação: como o cérebro aprende. Artmed. Porto Alegre, 2011.